Pelo menos nos últimos meses, não me têm acontecido nada além de fantasias... Fechei o livro. Não suportava mais tanta verdade escarrada em palavras corridas. Eu tinha Caio como um grande amigo, mas desses amigos que não temos certeza se gostamos ou não. Desses que sabem exatamente quem somos. Desses que fazem companhia quando não há mais ninguém.
Meus óculos escorriam pelo meu nariz como lágrimas. Talvez fosse essa minha sina: chorar
por tudo, exceto pelo olhos. Ser uma eterna lágrima que nunca é derramada. Fato por fato, eu gostaria de ter certo controle sobre tudo aquilo que sou - ou que finjo ser, ou que gostaria de ser, enfim. Mas, é claro, na maioria das vezes eu não conseguia.
Eu precisava fumar, beber, ou qualquer uma dessas coisas que ajudam a expulsar a solidão (ou será que elas só a aumentam?). Levantei com a boca seca e me olhei no espelho. Vi uma devastação tão grande que doeu. O que eu tinha feito comigo? Onde estavam os bons cuidados com a pele, com a barba, com o cabelo? A mania de perfume, os olhos que sorriam?
Olhei-me no espelho e não sabia quem estava vendo.
Peguei as minhas chaves e sai. Os corredores estavam quase escuros enquanto às seis da tarde tomavam o céu, devagarzinho como quem toma sorvete, pra não congelar o cérebro. Abracei meu corpo e caminhei.
Duas gotas de suor escorreram pela minha nuca em direção meu pescoço. Não tentei limpar. Meus dedos estavam firmemente cravados na carne da minha cintura e eu não sabia se ainda era capaz de movê-los. Meu pulso batia mais forte em minha jugular a cada vez que uma daquelas luzes saltava para um número menor.
Então ele chegou.
As portas de metal rangeram pra mim e as observei com um olhar apavorado. Primeiro, tentei me convencer que era besteira tentar enfrentar aquilo. Todo mundo precisa ter medo de alguma coisa nessa vida. Eu tinha medo de lugares fechados, então não precisava enfrentá-los...
Depois me lembrei do que o meu psicólogo tinha falado sobre enfrentar os medos, sobre ser alguém corajoso e especialmente sobre como aquilo poderia facilitar minha vida já que eu morava no décimo andar. Também pensei nos cigarros e com um suspiro, entrei.
Um medo, um desespero, um pavor, uma sensação de falta de ar. Meu coração estava disparado como se estivesse fugindo de algo. E eu estava. Tentei sufocar meu medo dentro de mim, mas não ajudou em nada. Apertei minha carne mais ainda. Quis sair dois segundos depois de por os pés naquele metal. Dei um passo pra frente, mas era tarde, as portas já haviam se fechado. Meio que tremendo, apertei o botão do térreo e esperei bem perto da porta.
Só então percebi que não estava sozinho.
Lá no fundo, um rapaz de branco me encarava pelo metal espelhado da porta. Eu tentei sorrir, mas meus lábios se tornaram uma linha dura, então simplesmente acenei com a cabeça. Ele pareceu surpreso, inclinando a cabeça pra um lado. Não retribuiu meu aceno. Resolvi tentar respirar, mas todas as vezes que eu sugava, o ar parecia sumir.
Desejei que aquele maldito elevador chegasse logo.
Então ele parou.
Mas não do jeito que eu esperava.
As duas luzes que iluminavam o metal piscaram algumas vezes e depois apagaram. Voltaram só um pouco depois. O chão tremeu. As portas não se abriram e eu calculei em desespero que deveríamos estar no meio do caminho. Meu pavor aumentou. Eu não sabia mais respirar.
Comecei a bater no metal da porta e gritar por ajuda. Quando vi, estava dando socos violentos no metal e minhas mãos estavam completamente vermelhas. Minha garganta doia, meu pulso fazia minha cabeça girar.
Virei-me pro cara lá no fundo e falei com o olhar assustado: - Cara, me ajuda! - ele me olhou e inclinou novamente a cabeça pro lado, como quem se perguntava com quem eu estava falando. Ele ainda tinha a mesma máscara de calma de antes. Aquilo não me ajudou em nada.
Voltei a esmurrar a porta e a gritar por não sei quanto tempo.
Ninguém parecia ouvir.
Cheguei a pensar que ficaria ali pra sempre. E o cara de branco continuava parado, no fundo do elevador, me olhando como se eu fosse um louco. Aquilo era insano demais pra mim. De repente senti as forças dos meus joelhos serem levadas e escorreguei até o chão.
Tirando forças não-sei-de-onde, continue a bater no metal e, as vezes, gritar. Ninguém respondia. Fechei os olhos e me sentia sufocar pouca a pouco. Comecei a ofegar. Nunca pensei que fosse verdade, mas de repente eu comecei a ver tudo àquilo que eu quis fazer na vida diante dos meus olhos e escorregando. Pensei nos últimos vinte anos que formavam minha vida e me envergonhei.
Eu havia sido só uma sombra vivente.
Não tinha uma namorada de verdade, nem amigos e não via minha mãe a muito tempo. Meu emprego era uma merda. Aliás, eu era uma merda jogada pelos cantos daquele apartamento, sempre bebendo e fumando e tentando ignorar o fato de que eu não era nada.
Se aquele elevador não me matassem, meu medo e minha vergonha fariam isso.
Então, eu ia dar meu último soco no metal, quando senti uma mão segurar a minha. O cara de branco havia ido até onde eu estava e agora segurava minha mão. Encarei-o e ele fez o mesmo. Visto de baixo, ele era realmente alto. Tinha o cabelo negro e liso crescido até a nuca. A pele muito alva e uns olhos azuis num tom tão celestes que brilhavam, mesmo naquela luz fraca. Senti vergonha de estar no mesmo lugar que ele.
Ele soltou minha mão e estendeu as dele em minha direção. Fiquei o encarando. Ele não havia feito nada até aquele momento, o que diabos ele estava pensando? - O que você está fazendo? - perguntei, com a voz rouca e fraca. - Te ajudando. - ele disse com simplicidade.
Meio incerto, segurei a mão dele e me levantei. Todo meu corpo doía. Ele me ajudou a apoiar os pés no chão. Nem sei ao certo porque, mas no momento em que ele me tocou, meu medo parecia um tanto menos forte. Mas, minha vergonha aumentou automaticamente.
Sem conseguir olhá-lo novamente, comecei a caminhar de um lado pro outro mirando o chão. - Nós vamos ficar aqui pra sempre. - murmurei, mas o rapaz escutou. - Acho que não. - parei de caminhar e o encarei novamente. - E o que te faz ter essa certeza? - eu já não me dava nem ao trabalho de controlar meu gênio. - Bem, uma hora eles sentirão falta do elevador e viram te salvar.
Eu o encarei e concordei. Apesar das palavras dele ajudarem um pouco, saber que eu ficaria mais tempo ali dentro ainda me apavorava. Minhas mãos começaram a tremer novamente. Os pensamentos devastadores também voltaram. Fechei os olhos. Tentei lutar contra tudo aquilo, mas eu estava cansado demais.
Então senti meu corpo sendo envolvido por braços.
Abri os olhos e não me movi. O cara de branco estava me abraçando. Semicerrei os olhos e me perguntei se ele era louco. Certo que aquele era um momento delicado, mas quem diabos ele pensava que era pra me abraçar? Quis me desvencilhar do abraço, mas não pude.
Naquele momento eu lembrei que nem sabia quando fora a última vez que alguém havia me abraçado. Uma mistura estranha de sentimentos me invadiu e tudo que puder fazer foi ficar ali, entre os braços daquele estranho me sentindo meio gay. Minha masculinidade se recusava a admitir, mas ele tinha um abraço protetor.
Meu desespero sumiu, minha vergonha foi dissolvida.
Então o elevador voltou a funcionar.
Ouvi vozes lá fora.
Desvencilhei-me do abraço com o máximo de dignidade que reuni e não pude evitar sorrir. - Nos encontraram! - fiquei parado na porta enquanto esperava ansioso que a porta se abrisse. Minhas pernas tremiam. Eu mal podia acreditar que havia sobrevivido.
Então a porta se abriu.
Minha vizinha, algumas crianças e o sindico do meu prédio me encararam aliviados. Trarei de sair logo de lá e fui cercado por outros vizinhos. Contei o que havia acontecido e só então me lembrei de que precisava agradecer ao cara que estava comigo pelo apoio. Não o encontrei em lugar algum.
- Cadê o cara que estava comigo no elevador? - virei-me para o síndico e ele me olhou assustado. - Não havia mais ninguém no elevador. Dei uma risadinha nervosa e o encarei. Ele me olhou fixamente como quem perguntava o quão aquele processo havia me traumatizado. De repente todos estavam me olhando como se eu fosse um louco.
Sem agradecer ou me despedir, sai pelas escadas em direção a rua. Procurei pelo aspecto conhecido, ele não podia ter ido muito longe... Mas, mesmo procurando, não vi ninguém.
...
Passei muitos dias dentro do meu apartamento depois disso.
Acendi muito cigarros, mas não pude tragar nenhum.
Eu apenas ficava os olhando, consumirem a si próprio gerando fumaça dançante no sol.
Depois daquilo, eu nunca mais fumei.
Nem bebi.
Nem andei de elevador.
Procurei minha mãe.
Pedi demissão e arrumei um novo emprego.
E especialmente, nunca mais me senti sozinho.
Pela magnífica Ilzy Sousa
0 comentários:
Postar um comentário
Os comentários são moderados, mas sua opinião é sempre bem-vinda! Comentários desrespeitosos ou caluniosos serão banidos.
Fique livre para enviar uma sugestão, dúvida ou crítica: entre em contato comigo.
Certifique-se, antes, se a sua dúvida já está respondida no F.A.Q. Obrigada!