Estou apaixonada nesse conto. Espero que se apaixonem também!
Naquele Céu viam-se anjos. Anjos tão únicos, que mais abaixo de suas nuvens, davam-lhe nomes que eles mesmos reconheciam. Alguns lhe rogavam pedidos ao fim de cada dia, outros quando sentiam-se inseguros. Vivia nesse Céu almas perfeitas. Anjos, arcanjos, cavalos alados e Deus. O último mantinha em si o poder maior. Tão grande que tinha sob controle todos os seres daquele Lugar. Exceto uma pequenita, tão miudiça que se escondia em si mesma. Mas ela, tão pura e na sua pequenice, mal se preocupava com a grandiosidade de seus companheiros poderosos. Via-se longínqua, sempre ausente, a ponto de nem comparecer com ordens superiores. Ninguém, nem mesmo Deus, a castigava. Na sua pequenice, atraía dó e pena. Mantinha-se ali, dia e noite quase muda, mas ainda anjo. Todo bom santo sabe que Paraíso é luxo de poucos. Os que vieram da Terra eram raros, daqueles que oravam toda noite, a maioria era levada pelo pecado. Todo bom santo sabe que a perfeição era atingível ali. Todos sabem, menos a anjinha, em suas deslogradas manias e façanhas.
Descobriram-na com uma pequena pena de uma das asas do cavalo alado de um arcanjo. Ponteava na pena, a remanescente gota de uma tinta. Nas mãos, fê-la uma folha. Ao que relataram, pouco se importou com a presença de outros anjos. A pequenita continuava a escrever. Espantaram-se por estar sempre a escrever na sua caligrafia angelical. Falaram com Deus, mas Ele já sabia que a menininha sempre escrevia. Não seria isso mania de gente? Perguntaram os santos da Terra. Não negara, era dom de humano mesmo. No entanto aquela anjinha nem ao menos conhecia aquela outra superfície. Por quê, então, ela tanto escrevia?
Disseram-lhe Deus, que a pequenita sofria de amor.
Amor? Os arcanjos perguntaram. Sim, amor, o sentimento que alguns poucos lhe rogam todas as noites por tê-lo ou cessá-lo. Lembraram por fim, o que era amor. Nenhum deles havia sentido, confirmaram. Maravilhados, perguntaram: o amor dela é por outro anjo, Senhor? Não era. Era na verdade por um jovem mortal, tão pequeno quanto ela. O corpo da anja era como desses jovens confusos, e ela era tão perdida quanto todos eles. O amor acontecera quando o viu prantear numa noite de pouca Lua. Ela, do alto, o assistia como se visse o festejar do Natal no Céu. Depois daquele momento a pequenita o seguia pelas nuvens. Não o protegia, porque nem ao menos sabia se cuidar. Mas ela chamaria outros anjos se ele precisasse de proteção, Deus assegurou.
Grandioso e resplandecente era o amor dela.
Escrevia, poetizava seus sentimentos humanos. Indagaram a Deus, já que a anjinha era muda a eles: por que escreve então, Senhor? Disse Ele, porque ela o envia cartas quando sente-se triste ou feliz, ou quando ele pranteia suas dores miudiças. Ela, de tão inocente, acreditava que ele descobriria que a carta vinha do céu. Mas a pobrezinha era confundida com uma jovem do bairro dele. Achava ele, que a sua vizinha estava perdidamente apaixonada, quando a sua admiradora, na verdade, era angelical, pura e santa. Não deveria ser o contrário? Pecadores apaixonados em anjos? Ela é uma exceção. Isso sim, anjos davam proteção àqueles que lhe rogavam o nome santo. Ela nem ao menos havia o direito de nome. Era simplesmente a pequenita dos olhos que choravam. Não seria isso mania de mortais? Conseguia ela ali, brotar-se de dor na Perfeição? Conseguia chorar por ele também conseguir.
Em choro múltiplo, o dele e o dela, imploraram-se distantes, por ter um ao outro. Até que se decidiram. A pequenita seria conduzida ao novo mundo. E aconteceu. A jovem, ao invés de despedir-se dos outros divinos, despediu-se de si mesma. Seria ela diferente do que fora no céu? Esclareceram-na: iria para a Terra, por outros carecerem de suas palavras. Por aquelas nuvens ninguém precisava de suas rimas. Quem sabe, pelo mundo da realidade, alguém fizesse santidade nos seus sentimentos. Não se sabia, apenas Deus, que lhe resguardara seu destino e Ele não contara aos outros anjos. Deixou-lhes curiosos, para a nova vida da miuidinha. Outro motivo era seu amor. Amor no Céu é invalido, e o atalho para o pecado é o excesso. E ela, a exceção. Logo a pequenita fora julgada. Sua missão era outra, e seria cumprida em outro mundo. O aviso foi que o cuidado lhe tomasse, que a dócil mocinha não contasse de onde veio. Perguntasse qualquer outra coisa, mas que não dissessem aos pecadores, a sua origem. Continuaria santa no meio do pecado, contudo poderia ser tomada por ele a qualquer hora. De volta ou nunca mais.
Transitariam-na para humana, e era algo quase inédito aos imortais. Raridade era enviar anjos à esfera. Todos os dias, porém, pequenos pedaços de vida eram mandados para lá, mas anjos como ela, mal acontecia. Às vezes por necessidade, mas dessa vez, de lá ninguém necessitava dela. Teria de achar entre os pecadores, o jovem que ela enviara cartas durante tempos.
Sucedeu-se, então, sua humanidade.
A mocinha levara porém, a sua origem. Entre seus magros ombros e a nuca, pequenas asinhas brancas manchavam-lhe a pele. Agora humana, mas ainda anja pequenita. Era mania de corpo sem asas, e ela, coitadinha, tinha os dois: o voo e o coração. Se apresentou no mundo de gente, e logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, de onde vinha, o que fazia?
–Escrevo sentimentos, vim da alma, sinto e faço amar. Amor, sabe tu?
–Amor?
Entreolharam-se, espantados. Por entre as sobrancelhas, a ruga que lhe interrogava novamente: amor? Bastaria o Céu, mas por quê estaria o amor, ausente também na Terra? Desconheciam o que fossem palavras, alma e amor. Em que consistia, portanto? Até que um, dentre tantos, descobrira o mistério da jovem angelical. Esse sabia exatamente a prosa, o interior e o pranto do coração. Reconheceu-no, antes de lhe ver a face, apenas através do seu cheiro aguçado que já no Céu lhe fazia palpitar.
De perto a sensação era muito mais forte.
Ele não se lembrava bem quem era aquela garota, mas ele também a reconhecera. Ela correspondeu o garoto com um sorriso, algo que um arcanjo lhe ensinara antes de descer. Ele não sabe, mas a pequena ouviu seu coração acelerar. Agora ela também tem um. E sem surpresa, tem o mesmo ritmo do dele. Aproximaram-se lentos, porém certos. Dedos tocaram-se no frenesi de amor. As pequenas asinhas brancas não sumiram, mas ela já se sentia totalmente humana. Passaram-se segundos, encontraram-se dois mundos.
Lá do Céu, os anjos festejaram o destino. Ao que parece, era noite de Natal: no Céu e na Terra.
E principalmente, no coração de dois anjos apaixonados.
E principalmente, no coração de dois anjos apaixonados.
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