Comportamento, moda, fotografia, música, textos de amor e dicas. Um Blog com tudo aquilo que adoramos fazer antes de sonhar! – Por Mariana Solis

terça-feira, outubro 11, 2011


Um mais um

Garota, vê se sorri. Sua tristeza também é minha. Vai, me deixa feliz.
Foram essas palavras que saíram da minha boca dias atrás. Escaparam por entre os lábios, antes que eu pudesse ver. Ao contrário do que achava, não me arrependi por ter dito. Aquela garota era tão sem luz, que sua própria escuridão anoitecia os meus dias. Nos conhecemos há alguns meses, no banco da praça. Antes, compartilhávamos o mesmo assento, sem pronunciar uma única palavra. Parecia que a companhia era por si só, completa. E todos os dias, íamos ao encontro silencioso do outro. Sem pedir fala, ou olhar: sabíamos que não estávamos sozinhos. Apenas eu conseguia enxergar nela, uma beleza tão diferente, que eu mal sabia igualá-la a outras jovens para descrevê-la. Se nossas conversas aconteciam por telepatia, por muito tempo dera certo. Eu gostava do seu mistério e o modo como não se mexia. Apenas o vento na nuca dava-lhe algum movimento nas mechas escuras. Até que um dia, resolvi perguntar-lhe o nome.
–Sofia.
Não olhou, não me viu, apenas respondeu. Sem sorrir, continuou como estava, na minha companhia rotineira. A diferença era, que dali em diante, poderia chamar, ou melhor, pensar naquela garota por algo mais concreto. Notei que ela sempre estava com uma mesma roupa, um vestido azul clarinho, e os chinelos já gastos, e ela assim, tão pálida de pouca vida, parecia mais transparente ainda. Existia ela, ou seria apenas mais um pedaço da natureza? E isso era algo que nem eu não podia saber. Então indaguei de novo, o porquê dela ser assim, tão... nada.
–Não sei, mas dói.
E foi o tempo que nos deu, que nessas poucas conversas de menos palavras ainda, para que ela me dissesse muito mais do que falara em toda sua vida. Pareceu-me que ela sempre foi assim: só. Aquietava-se, silenciosa, parecendo até que não doía. Aprendeu aos poucos, a assim estampar-lhe na curva dos lábios, um sorriso cintilante e dizer: tudo bem. Guardava-se em dores miudiças, que em excesso, fazia-lhe explodir por instantes em pequenos colapsos de raiva, sem som algum. Mas sempre passava. Ajustava o vestido amarrotado, passava a mão nas madeixas, e voltava a postura. Recompunha-se, assim, de mais para menos, de realidade para ela mesma. Vê-la em prantos, era algo raramente excepcional: amiúde, vez em raro.
Duas vezes apenas, vi-la nesse estado.
Disse que preferia ser discreta a ser notada. Mas eu dava-lhe atenção, e aos poucos, um pequeno amor. Ela se enxergava no espelho com a falta da sua própria sombra: esta, coitadinha, destinada a segui-la sempre, fugiu quando ela a permitira. Na verdade, a moçoila não gostava nem de sua própria companhia, quem dirá sua própria sombra. Pior ainda: as pessoas. Essas sim, as atingiam em fundo, fincando nela cicatrizes que não preferia olhar. Perguntei, então, se deveria sair de perto dela. Ela olhou-me com os olhos pela primeira vez, e implorou com eles, que eu não a deixasse. Não pude evitar o sorriso e a vontade de manter aquelas duas amêndoas de chocolate, sempre fixas nos meus olhos.
–E as cicatrizes, Sofia?
Disse que se doessem, não as lambuzava de remédio: enrolava-se nos lençois antigamente brancos, e ficava ali até passar. E isso era mania de gente sábia, e seu desejo era um dia ser sábia, como seu próprio nome. Falara-me que esperar a dor passar, por mais que seja demorado, é um gesto de pura sabedoria. Uma vózinha da praça lhe dissera que tudo passa, e nada é eterno. A garotinha gostou daquelas palavras, e para tudo, até para a dor, o tempo curava.
Mal sabia que o próprio tempo a machucava.
Aos poucos, um leve brilho aparecia nos seus fios de cabelo. Ainda não iluminava nem refletia nos olhos, mas um dia desse consegui arrancá-la uma risada fininha, como uma criança que ri da brincadeira do pai. Efêmeros segundos e ela já suspirara ofegante, do novo limite que se permitira. Dizia a ela, que lhe faltava rir e florir. Triste e murcha como era, não conseguiria mais do que tocar o chão com suas pétalas, até sentir-se morrer. Precisava mesmo era de vida, de sorriso e dela mesma.
Foi-se assim, em crise incessantes e incontroláveis de sentimentos novos, que vi Sofia mudar. Aquela vida tão minha estava aprendendo o significado da sua própria existência. E nosso amor silencioso, que mesmo assim sabia ser correspondido, me fazia bem. Mútuo, pacífico. Eu e Sofia. Já éramos nós muito antes de ser. Iluminou-se, cheia de vida. Mais palavras, mais cor. Ela sorria de um jeito que seus olhos quase sumiam por dentre tanta felicidade. Disse ela, que a última sabedoria que ouvira foi que ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar. Por isso ela me ouvia, todas as tardes, pontual, porque sabia que ela ainda era pequena, só que era a minha pequena.
Mal percebeu, mas ela já não era a mesma.
Seria ela, a não ser outra Sofia?
[...]
Foi quando guardou dez minutos de atraso, e a esperei no mesmo lugar de sempre. Pensei em procurá-la pelo parque, ela poderia ter errado o nosso banco, não poderia? Ela poderia ter se perdido, ou se distraído com um pássaro qualquer. Dizia ela, que pássaros tinha a liberdade que ela nunca teve. Seria um dia, como um deles. Mas eu sabia que não eram os pássaros que a atrasara. Eu suava frio, temeroso. Mas ela então apareceu. Vi-la de longe, ainda do outro lado da praça. A garota parecia tão diferente das outras vezes.
Então ela me viu e sorriu. Nossos olhares fixos, vidrados e apaixonados. Usava um vestido branco, e andava descalça pela praça, as mãos com luvas também brancas, fechadas contra o peito. Nunca a vi tão iluminada. Ela brilhava,e o tempo nunca pareceu tão lento como naqueles instantes. Parecia mal tocar os pés no chão. Já não bastava seu rosto de anjo, ela quase voava.
Ela ergueu seus olhos na altura dos meus e encontrei seus olhos como duas amêndoas que se derretiam em chocolate puro. Abriu as mãos, e de lá, se fora uma pequena pomba tão clara quanto seu vestido.
–Minha paz. Minha liberdade.
Levou sua mão delicada até minhas bochechas, enquanto sorria, sem mal conter sua alegria. Seus dedos caminhavam pelo meu rosto, contornando meus olhos e meus lábios. Ela espalhava beijos pelo meu pescoço e pela minha orelha. Ela aproximou sua boca da minha, hesitante, e senti a sua respiração ofegar quando nossos lábios se roçaram levemente. Nunca tinha reparado o quanto o seu toque me fazia arrepiar.
–Obrigada. Descobri o que é amor com você.
Me deixei levar por aquela estranha sensação de beijar minha sábia e pequena menina. Um beijo lento, calmo, terno, mas intenso. Ela desejou aquilo tanto quanto eu? Todos os pedaços de mim pareciam feitos para ela. Ela parou por alguns instantes, e se afastou sorrindo. Então ela colocou minha mão sobre seu peito e disse:
–Amor é sabedoria. E eu amo você.
–Você será minha, para sempre.
Me abraçou, colando teu corpo quente no meu. Só ela conseguia me fazer sentir assim.
–Eu volto, meu amor.
Tirou as luvas e pô-las nas minhas mãos. Sorriu enquanto seus olhos brilhavam. Ela chorava, e dessa vez,  não era de dor. Segurou a barra do vestido branco, e saiu correndo pelo caminho que veio. Salteava na ponta dos pés pequenos, enquanto imaginava seu rosto mesmo de costas. Ela não olhou para trás.
Assim ela se foi até sumir no horizonte. Eu sabia que ela voltaria.
Outra e nova, mas sempre a minha Sofia.
Comentários

1 comentários:

Lucianna disse...

Esse texto é perfeito, nossa! Você escreve muito bem!

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