Ela, você não sabe, mas mudara muito. Contaram-te uma história que tem por fim Chapeuzinho com um final feliz. E o Lobo Mau, como todo vilão de contos infantis, reservou-se ao castigo dos caçadores. Vovó, na verdade, não fora engolida pelo Lobo, mas o vilão escondera-na por debaixo da cama, num ato de esperteza. E todo o teatro de que a vovózinha fora devorada, foi apenas um disfarce que você acreditou por muito tempo.
Ninguém soube, mas o Lobo safou-se dos caçadores, antes mesmo que lhe ameaçassem o facão. Afinal, não pensaram em antes procurar a Vovó desmaiada sob a cama. O que o Lobo fizera foi dar-lhe um baita susto, e a velhinha com seus tantos anos de vida, quase morrera do coração. Tudo o que fez foi botar-lhe inanimada sob a cama, buscando sua verdadeira vítima. O malvado queria mesmo era Chapeuzinho, e aqui estou para te contar o que você não sabe da garotinha da capa vermelha.
Ah, Chapeuzinho, dócil face de menina, mente de mulher. Ela estava era encantada com o Lobo. Crescida, por lá da sua adolescência, deixou na historinha, também sua inocência. Admirava aqueles que agiam por si só, por motivos egoístas e que se necessários, passava por cima de outros. Assim era o Lobo (agora sem Mau) e também como ela queria ser. Ninguém imaginava que um dia aquela que se fez de vítima, queria as suas próprias agora. Sua malícia rebelde escondia-se pela capa vermelha, tão reformada pela Vovó a medida que Chapeuzinho crescia.
Agora, só, não mais levava a capa para remendar. Ela mesma o fazia: seria ela, uma garota independente? E assim sentia-se mudar. Envenenar-se com o gosto que queria sentir. Envolvia-se, agora tão ensimesmada, no próprio encanto de sua beleza, despertada nela sua feminilidade. E fez-se fatal: bordou de renda a capa vermelha. Via-se adulta, mulher de menos de duas décadas: dezessete anos incompletos. Por entre as frestas das janelas, o frio já encobria-se por dentro a alma de Chapeuzinho. Recusava-se a ser aquela mesma garotinha de sempre, e em constantes surtos de rebeldias internas, prostrava à face a vontade de ser má.
Encontrava-se com o Lobo secretamente. Arquitetavam juntos seus planos. Num instante, os dois desejavam planejar mortes alheias. No outro, queriam o cúmplice morto. Ensinaram as piores maldades, os melhores movimentos e estratégias. Ah, Chapeuzinho, como és ingênua, pensava o Lobo. Ah, Lobo, poupava pensamentos a pequena Chapeuzinho.
Quando separados, destinavam ao outro a mais fatal e torturosa morte. Queriam mesmo provar-se melhores: o mais forte ataque, o mais puro veneno. Talvez tudo fosse desejos reprimidos daquela antiga história. Tudo apontava para possíveis vinganças. Por parte do Lobo, o fracasso daquele dia. E da Chapeuzinho, o trauma que ele pusera nela, afinal, ela era tão pequena e dócil, que mal entendia o que tinha acontecido.
A máscara que vestia quanto estava próxima dele, era falsa como o Lobo, sua inocência e os cílios postiços sobre seus olhos frios.
Chegou-se o dia. A cesta, dessa vez, estava preparada de outra forma. Um manto vermelho cobria seus materiais, assim como sabia que o Lobo também prepararia um destino a Chapeuzinho. Ganharia o mais forte, e a garota sabia o quanto o animal não resistia às suas seduções. Cortou a capa, abriu-lhe o decote. O perfume pareceu mais forte, e aroma não tão doce. Assim se fez. No êxtase do momento, o Lobo já vinha a devorá-la, quando num surto angustiante de nostalgia, Chapeuzinho começara a sussurrar:
_Por que esses olhos tão grandes, meu Lobinho?
A garota aproximava-se dele, mas se manteve em silêncio.
_Por que esse nariz tão grande, meu Lobinho?
O perfume atiçava-lhe o olfato, assim como o gosto do sangue que percorria-lhe no pescoço.
_Por que essas mãos tão grandes, meu Lobinho?
Ele não respondera, mas já elaborava sua vingança. E esperava dela a última pergunta. E ela demorou-se, saboreando o tempo, planejando o seu ataque.
_Por que não fazes a última pergunta, Chapeuzinho? Essa eu posso responder-te.
A garota sorriu, mas nada lhe disse. Não o perguntara, mas sentia-no salivar, esperando sua reação.
_Será, meu Lobinho, que preciso lhe fazer a última pergunta?
E ele se aproximou lentamente, pronto para devorá-la. Ela, porém, lançara-lhe o facão pela boca, fazendo o grande corpo cair pesado na floresta. Chapeuzinho Vermelho, cheia de raiva, continuou a abrir-lhe o peito com inúmeras facadas, lentamente, sentindo o cheiro do sangue escorrendo do Lobo. Sorrira, vitoriosa.
_Então, meu Lobinho, essa tua boca tão grande, não é do tamanho do meu veneno.
Esfaqueou-lhe pela última vez. A última gota de sangue tocou a grama. Deixou a faca no peito. Vingativa, a garota ainda pisou-lhe uma última vez, sobre o corpo inanimado. O campo tomou-se pelo imenso sangue derramado do corpo do Lobo, e Chapeuzinho deixou a cesta com urubus ao lado dele.
O batom vermelho borrou, o cabelo tomou-lhe o rosto. Os cílios postiços tintilaram, a capa movimentou-se com o vento.
Agora está tudo Vermelho, sem Chapeuzinho.
(E ela se foi, ainda sem seu final feliz.)
3 comentários:
NOOOOOOSSA! quuee tuddo! amei.
NOOOOOOOOOSSSA mesmo! Caramba, que macabro, mas que emocionante. Esse final, aha! Acho que prefiro essa história, é muito mais legal que a original.
Voce me surpreende sempre Mari, perfeito e ponto
(tambem preferi sua versão hehehe)
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