Comportamento, moda, fotografia, música, textos de amor e dicas. Um Blog com tudo aquilo que adoramos fazer antes de sonhar! – Por Mariana Solis

sábado, outubro 05, 2013


Ela disse adeus

"Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor." 
– Vladimir Maiakóvski
– Sinto muito.
É tudo que ela diz, antes de me olhar uma última vez, incisiva e decidida. No fundo, nem sei se ela realmente sente muito, sequer sei se ela sente qualquer coisa. E eu já perdi as contas, não consigo me lembrar da primeira vez que tentei decifrá-la. Confesso, ela fica um charme toda brava e cheia de si. Foram tantas situações como essas que no fim fracassei. Eu tentava achar respostas onde só tinham perguntas.
Quando você vai me apresentar aos seus amigos?
Vamos fazer alguma coisa hoje?
Por que você está diferente?
Você me ama?
É difícil, rapaz. Acho tão cansativo filmes de romance justamente por isso: desde quando a vida te entrega um script? A verdade é que antes de você derrubar os livros da garota mais gata do colégio você vai desviar ou, sei lá, nem vai ser uma garota, mas aquele valentão pronto para te socar até doerem os dedos. É tudo ilusão, cara. O que chamam de amor, por exemplo, é a maior fantasia de todos os tempos e eu não consigo entender como esse ser insaciável persiste no interior de almas sensíveis. É curioso se você parar para pensar, eu bem acho que todo cara, do tipo homem com h maiúsculo, tem direito de sentir isso aí. Mesmo que a seleção natural explique a fragilidade dos menos adaptados. É por isso que agora não sei se vou ou se fico. 
Se deixo o meu orgulho de lado ou se eu a deixo ir.
Eu fico.

Na verdade, o turbilhão da minha mente não me permite mover muito mais do que meus olhos nervosos. Eu assumo os meus erros e concordo, cara, ela tem todo o direito de estar brava, ainda que em muitos – e não foram poucos – momentos estive prestes a perder a cabeça e, por consequência, também perdê-la, mas eu voltei atrás. Estupidez minha e que nem de longe era motivo suficiente para deixar a garota que mais se encaixou nos meus planos encontrar um outro cara para preencher os dias dela. E eu assumo em pensamentos, de peito escancarado, mãos trêmulas e cabisbaixo: ela me tem. Só não entendo a gravidade das minhas ações. Tenho quase certeza de que sou um erro na vida dela. E é isso que me mantém do lado de cá dessa porta. Eu até consigo imaginar onde ela está ou para onde pretende ir. Eu pedi tantas desculpas que perdi as contas. Talvez ela entenda o meu arrependimento e a minha tentativa de, mais uma vez, consertar as minhas burradas. Mas simplesmente não é justo, sabe? Tem tantas interrogações por trás dela que nem sei mais se eu cheguei a conhecê-la. Quando eu achei que ela tinha se entregado a mim, satisfeito por conquistar sua confiança, ela me vem com uma tristeza de inúmeras arestas e que, confesso, não sabia nem por onde começar a aparar. Um chocolate, talvez? Um abraço?
E, adivinha, nenhuma reação.
Fiz de tudo e mais um pouco. Dei o meu melhor para colocar um sorriso no rosto dela, mas nem assim. Fiquei sem respostas e até já estava me acostumando com a falta delas. Hoje, de repente, ela me chega com o rosto inchado, com lágrimas gordas por debaixo dos olhos amendoados e as mãos em punho. Antes mesmo que eu pudesse perguntar o que tinha acontecido, ela me atinge com palavras carregadas de um sentimento que nem quero saber qual é. Ela preferiu seguir um script mental de frases pré elaboradas e, bem, ela conseguiu me acertar em cheio, tanto que dói como uma ferida. E ela tinha razão, por muitas vezes eu desejei outras, não ela. Mas entenda, por favor, eu estava desesperado. A questão não era desistir dela, jamais, mas cogitei desistir de nós. De início, eu estava disposto a cuidar da gente, mas quando vi, já estava pensando em gente demais, menos na nossa gente, única e exclusivamente em nós. Para ser sincero, nem sei onde eu estava com a cabeça. Eu realmente me perdi e a última coisa que eu posso perder é ela.
Abro a porta, impetuoso, desço as escadas pulando degraus. Talvez eu consiga alcançá-la em poucos minutos, ela veio a pé. Estou cansado – não quis esperar o elevador e 12 andares correndo é uma maratona para alguém como eu – e vejo que ela não foi muito longe. Tento sorrir por encontrá-la sentada do outro lado da rua no meio-fio, mas meu desejo de transparecer algum alívio desaparece assim que me aproximo e a encontro em um desespero que eu nem sei mais o que significa. Ela levanta os olhos vermelhos assim que me agacho a sua frente, mas não consegue sustentar o meu. Ela parece ignorar a minha presença, mas o som do seu sofrer aumenta à medida que tento envolvê-la em um abraço. Eu também não espero que ela aceite os meus braços com uma facilidade, até aceito se ela afastar os meus braços do corpo dela. Eu tento entender as suas razões.
Só que ela não impede o meu toque, mas também não retribui.
Isso faz de mim o cara mais ingrato do mundo. É bem quando acho que vou perdê-la de vez que tento voltar atrás. Não é justo fazê-la sofrer mais uma vez por alguém como eu.
– Ei, amor, – essa palavra soa ridícula agora – eu entendo sua raiva, você tem todo o direito, e tudo bem, eu compreendo se você não quiser me ver mais. Só olha para mim, é tudo que te peço, e vê que eu estou sofrendo por te ver assim e, pior ainda é saber que a culpa é minha. – sinto que ela segura a respiração e quando percebo estou fazendo o mesmo.
Ela me encara, dessa vez por vontade própria, e os seu olhos investigam o meu rosto em busca do resto da dignidade que me resta e, mais além, acho que ela está procurando a verdade ou quem sabe a resposta de mais uma das suas infinitas perguntas. Então tento responder a uma delas:
– Eu te amo, como eu nunca amei ninguém.
Ela respira fundo, claramente dividida entre acreditar ou não. Isso despedaça o resto que eu considerava digno de mim. Ela quase tem o dever de me deixar aqui sozinho, de tão repugnante que sou. Mas, surpreendentemente, ela permanece, silenciosa, sem fazer muita questão de gastar comigo as suas palavras. Ela encontra a minha mão na calçada e coloca a minha sobre ela. Seus lábios se separam levemente, como quem pensa em dizer algo mas que logo muda de ideia. Em seguida, ela se afasta de mim e sinto o frio separar o último elo do nosso calor. Num ímpeto, ela se levanta e de cima parece que seus olhos me atravessam, certamente não estão focados em mim. Eu permaneço e ela continua imóvel, em pé.
– Nem seu amor é suficiente, porque simplesmente ele não existe mais. –  ela pára por algumas frações de segundo, capaz de descontrolar todo o meu ritmo cardíaco – Por isso eu sinto muito.
Ela esboça um sorriso cheio de dor e, no curvar quase imperceptível dos lábios, me entrega o seu sofrimento. Então, sem pronunciar qualquer adeus, ela se vai. Eu nunca tive tanta certeza de algo como agora, por fim, de que essa é a melhor forma de demonstrar a ela o meu amor, por mais insuficiente que seja. Não existe mais nada que eu possa fazer por mim nem por nós e o adeus assim, sem contestações, é a única maneira de cuidar de um coração imenso que deve ser ocupado com quem realmente mereça estar nele.
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